“Luta por conseguir que o Santo Sacrifício do Altar seja o centro e a raiz da tua vida interior, de maneira que toda a jornada se converta num ato de culto.”
— São Josemaria Escrivá

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A Santa Missa e a adoração a Deus

Santa Missa é, como já enfatizamos, “o centro de toda a vida cristã, em favor da Igreja, tanto universal como particular, e de cada um dos fiéis” [1]. É presidida pelo próprio Cristo, que se oferece a Si em sacrifício a Deus Pai. Não contente em sacrificar-Se a Si mesmo em resgate de muitos, Jesus Cristo perpetua Sua existência junto de nós, fazendo-Se presente de verdade sob as espécies do pão e do vinho consagrados e tornando-Se alimento para todos os que têm fome de verdade e liberdade [2]. No entanto, o Santo Sacrifício do Altar não é oferecido a Deus com apenas uma única intenção.

O grande Sumo Pontífice São Pio X, em seu pequeno Catecismo, trata de questões centrais da fé crista e da vida da Igreja. Ao abordar os fins aos quais se ordena o Santo Sacrifício da Missa, São Pio X esclarece que a Santa Missa possui quatro fins [3]: (I) adorar a Deus, (II) dar graças a Ele, (III) suplicar-Lhe perdão dos nossos pecados e (IV) pedir-Lhe Suas graças. Neste texto, trataremos do primeiro fim da Missa: a adoração a Deus.

Quando Deus fez conhecer a Sua lei, o Decálogo, a Moisés, começou com essas palavras: “Eu sou o Senhor teu Deus, que te fez sair do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de minha face. Não farás para ti escultura, nem figura alguma do que está em cima, nos céus, ou embaixo, sobre a terra, ou nas águas, debaixo da terra. Não te prostrarás diante delas e não lhes prestarás culto. Eu sou o Senhor, teu Deus, um Deus zeloso que vingo a iniqüidade dos pais nos filhos, nos netos e nos bisnetos daqueles que me odeiam, mas uso de misericórdia até a milésima geração com aqueles que me amam e guardam os meus mandamentos.” [4] Devemos sempre adorar a Deus in spiritu et veritate [5] – em espírito e verdade –, e o modo por excelência de fazê-lo é na Santa Missa.

Em virtude de seu caráter de adoração, é dito que um dos aspectos do Santo Sacrifício do Altar é o aspecto latrêutico, ou seja, de latria. A palavra “latria” vem da língua grega e possui três fontes: λάτρις (latris), “adorador”; λατρεύειν (latreuein), “adorar”; e λάτρον (latron), “pagamento”. A adoração, como podemos ver, possui um significado bastante específico: dar a Deus seu culto devido. Por isso que o ato de idolatria – render a criaturas o culto devido a Deus – é uma grande ofensa à Santíssima Trindade.

Aqui, é necessário um parêntese: nós adoramos a Deus, mas não adoramos a Nossa Senhora ou aos santos, pois isso seria idolatria – já que Maria Santíssima e os santos são criaturas, e não o Criador. O que fazemos é venerar (do latim veneratio) Nossa Senhora e os santos. Quando os veneramos, estamos honrando sua memória e prestando homenagem às imensas graças que Deus operou em Seus servos. O ato de veneração pode ser de dois tipos: culto de dulia, do grego δουλεία (douleia), que é a veneração que rendemos aos santos e aos Anjos; culto de hiperdulia, que é a veneração reservada somente à Virgem Maria, a criatura mais perfeita que saiu das mãos da Santíssima Trindade, Mãe de Deus e Mãe nossa. Mesmo quando a Santa Missa é celebrada em honra de Nossa Senhora e dos santos, o sacrifício oferecido não é dirigido a eles, pois isso seria um desvio do culto de latria devido a Deus; no entanto, celebra-se a Santa Missa em honra dos santos e da Santíssima Virgem “para louvar a Deus neles pelos dons que lhes concedeu, e para alcançar, pela intercessão deles, em maior abundância, as graças de que necessitamos.” [6]

Ainda que não fosse obrigatório a todo católico participar da Santa Missa aos domingos e em dias de preceito, como determina o 1º Mandamento da Igreja, seria no mínimo uma manifestação de fé fraca e mau espírito não tomar parte dela. Afinal de contas, Deus em Pessoa desce até nós e Se doa a Si mesmo a todo aquele que se aproxima de coração arrependido e alma limpa. O Papa Bento XVI esclarece que “receber a Eucaristia significa colocar-se em atitude de adoração d’Aquele que comungamos” [7]; todavia, ainda que não nos seja possível comungar o Corpo de Cristo, ser testemunha de Sua presença no meio de nós, tendo consciência do que se passa, e desejar tê-Lo conosco – eu quisera, Senhor, receber-vos com aquela pureza, humildade e devoção com que vos recebeu a vossa Santíssima Mãe, com o espírito e o fervor dos santos – é prestar corretamente esse culto de adoração que devemos a Deus. Nosso coração permanece inquieto enquanto não encontra em Deus seu descanso [8], e a Santa Missa é o momento culminante em que tomamos Deus para nós.

Para que possamos tirar melhores frutos de nossa participação na Santa Missa, precisamos procurar sempre ter em mente que o que se passa diante de nós é o maior milagre que Deus nos faz. Quando o sacerdote ergue a hóstia e o cálice, consagrando as espécies, é o próprio Cristo que vemos no altar atualizando Seu sacrifício, e nós lá estamos como Seus apóstolos. Ao murmurarmos aquelas palavras que precedem a comunhão – “Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma palavra e serei salvo” –, é preciso que as digamos do fundo do nosso coração: no fim das contas, nós realmente não somos dignos de que Cristo tenha se sacrificado por nós; mesmo assim, Ele derramou todo o Seu sangue por cada um de nós individualmente, como se não houvesse outra pessoa que precisasse ser salva. São Tomás de Aquino expressou de uma forma muito bela como deve ser a nossa disposição interior para adorar a Deus na Eucaristia:
Adoro te devote, latens Deitas,
Quae sub his figuris vere latitas:
Tibi se cor meum totum subiicit,
Quia te contemplans totum déficit. [9]
A Virgem Maria é frequentemente representada como a Stabat Mater, a mãe que não se afasta do filho que morre brutalmente na Cruz. Peçamos a ela que sempre nos ajude a imitá-La, de modo que permaneçamos aos pés de Cristo por amor, louvando-O e bendizendo-O por seu sacrifício incalculavelmente precioso.

__________________________
Notas:
[1] Sagrada Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos. Instrução Redemptionis Sacramentum sobre algumas coisas que se devem observar e evitar acerca da Santíssima Eucaristia (25-III-2004), n. 36.
[2] Papa Bento XVI. Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis, n. 2.
[3] Catecismo de São Pio X, n. 657.
[4] Gn 20, 1-6.
[5] Jn 4, 23.
[6] Catecismo de São Pio X, n. 661.
[7] Papa Bento XVI. Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis, n. 66.
[8] Santo Agostinho. Confissões, Livro I, cap. 1.
[9] Primeira estrofe do hino Adoro te devote. Em português:
“Eu Te adoro com afeto, Deus oculto,
que Te escondes nestas aparências.
A Ti sujeita-se o meu coração por inteiro
e desfalece ao Te contemplar.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário